quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Guerra Justa

Por Felipe Kuhn Braun

Recordo-me de uma capa da revista Veja de uns cinco anos atrás com o seguinte título: “Existe guerra justa? Sim, mas não esta”. O título se referia a mais um conflito no oriente médio, de extremistas que são guiados pela religião e pelo fanatismo em ambos os lados. Na época li um artigo em um jornal de minha terra natal, Novo Hamburgo, de um senhor conhecido nesse município que faleceu há dois anos. Era o Sr. Ernest Sarlet, quem conheceu seu trabalho e sua personalidade, como professor e ex-secretário de educação de Novo Hamburgo, o admirava. Assim como eu, um jovem estudante que lia seus artigos e que tive a oportunidade de ficar uma tarde inteira no ano passado conversando com sua viúva, também educadora, nascida no Brasil e criada na Europa, onde conheceu Sarlet, um belga que se erradicou no Brasil.

Sarlet e sua esposa Erica vieram para o Brasil no pós-guerra e vivenciaram o segundo maior conflito da história, foram testemunhas oculares de crimes de guerras cometidos pelos alemães e depois pelos ingleses e norte-americanos que destruíram cidades inteiras com bombardeios aéreos por toda a Alemanha. Naquela semana Sarlet escreveu um artigo criticando a revista Veja, ninguém melhor do que ele para dizer que não existe guerra justa. Diferente de um jornalista que escreveu com uma série de pré-conceitos, Sarlet relatou um pouco de sua vivência. Quem leu as palavras do sábio educador pode ter uma pequena idéia do porque em sua concepção uma guerra não era aceitável, o que dirá justa.

Acreditamos ser justo ou aceitável um conflito armado quando não o vivenciamos e não somos atingidos diretamente por ele. Vejamos a guerra no Iraque, por motivos financeiros que George W. Bush invadiu esse país do oriente médio alegando que Saddam possuía armas químicas e biológicas e, portanto era um perigo para a humanidade. E os Estados Unidos, segundo a visão dos norte-americanos, tinha o dever de implantar um regime democrático nesse país. Sabemos que os resultados dessa guerra foram outros, que os motivos por detrás eram totalmente diferentes dos divulgados e que os norte-americanos só mudaram de opinião quando seus parentes e amigos que eram soldados morriam nos campos de batalha. Mais uma vez os Estados Unidos seguindo o exemplo desastroso das antigas potencias européias, como a Bélgica, França, Inglaterra, que controlaram países africanos somente enquanto isso lhes beneficiava.

Os europeus têm uma dívida grande com os africanos, os habitantes da Argélia, por exemplo, ainda não esqueceram a repressão francesa durante a guerra de independência há mais de quatro décadas. E o que foi feito com Ruanda em 1994? Quando as potencias européias simplesmente abandonaram esse país no meio do genocídio que culminou com quase um milhão de mortos, tão bem retratado no filme Hotel Ruanda. Sem contar que Inglaterra, França, Estados Unidos e Rússia, que ocupam as mais significativas “cadeiras” da ONU são os países que mais lucram com o comércio de armas para o continente africano. Os conflitos estão aí desde que os homens existem, são retratados nos livros mais antigos como a Bíblia e depois em livros modernos, filmes, manifestações artísticas como o painel Guernica de Picasso, retratando a guerra civil espanhola.

Conflitos sempre existirão devido ao individualismo, ao preconceito, ao ódio, a ignorância. Ceifaram milhões de vidas, esfacelaram sistemas, dizimaram povos, suprimiram culturas e modos de pensar. Nem por isso devemos aceitá-los da forma mais passiva possível e não interpretá-los sobre diversos olhares. Devemos estudá-los segundo a história, a sociologia, a antropologia, sobre o olhar da comunicação, das ciências políticas. Aprendermos sobre o porquê disso tudo e a jamais rotularmos uma guerra como justa, como santa, como benéfica e necessária. Não são as cifras, meros números que nos farão mudar de idéia. São os relatos como o de Sarlet e infelizmente as vivências nesses conflitos, que por uma grande felicidade o Brasil não presencia e pouco presenciou em toda a sua história, que nos fazem mudar de idéia. Se a guerra no Iraque fosse tão boa e necessária porque dos 535 congressistas norte-americanos, apenas um mandou seu filho para o campo de batalha?

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