terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Hiroshima, a melhor reportagem de todos os tempos

Hiroshima, a melhor reportagem de todos os tempos

Resenha do livro Hiroshima, de John Hersey, Por Felipe Kuhn Braun

John Hersey era chinês, nasceu em 1914 e com onze anos mudou-se com sua família para os Estados Unidos. Estudou em Cambridge e Yale e trabalhou como correspondente internacional das revistas Time e Life e colaborador da New Yorker. Mas o que fez esse chinês norte-americano para deixar seu nome na história? Escrever a melhor reportagem de todos os tempos! Ele estava no Japão quando pela primeira vez o homem testava em humanos a sua maior arma já inventada, a bomba atômica.

Hersey estava em Hiroshima logo após a cidade, concentrada em seis ilhas formadas pelos braços do Rio Ita, se tornar palco desse macabro experimento que devastou em segundos depois de um clarão silencioso, praticamente metade de sua população e fez o Japão deixar a tríplice aliança e se render na segunda guerra aos seus maiores inimigos, os norte-americanos.

Como correspondente internacional ele visitou a cidade e entrevistou a Srta. Toshiko Sasaki, funcionária da fundição de estanho do leste da Ásia. Dr. Masakazu Fujii, médico, a Srta. Hatsuyo Nakamura, viúva de um alfaiate. Pe. Wilhelm Kleinsorge, jesuíta alemão. Dr. Terufumi Sasaki, também médico e o pastor Kiyoshi Tanimoto, da igreja metodista de Hiroshima. Hersey nos mostra o drama desses seis senhores com nomes impronunciáveis por nós lusófonos (falantes da língua portuguesa), pertencentes a um país tão distante do nosso em relação à cultura, religião, etnia, costumes em geral, mas que sofreu tanto quanto os ocidentais, os efeitos da guerra, que deixaram marcas profundas em suas vidas e memórias. Seus escritos foram publicados originalmente na revista New Yorker e mais tarde a compilação desse material se transformou em um livro.

John nos traz um extenso relato sobre o dia dessas seis pessoas, o que estavam fazendo antes da bomba cair exatamente às oito e quinze da manhã do dia seis de agosto de 1945. Durante e depois da grande explosão e também nos dias seguintes. Descreve passo a passo a vida cotidiana, pessoal e profissional dessas pessoas. Suas preocupações nos dias que antecederam o ataque quando já corriam boatos de que os americanos preparavam “algo especial” para sua cidade.

Também nos traz informações sobre a cultura japonesa, como eram as construções, como foi à reação dos japoneses, crentes no destino e em seu imperador, com um nacionalismo exacerbado, porém poucos sabiam que o imperador se rendeu após a queda de Nagasaki e o eminente possível ataque que viria atingir Tóquio pondo em risco o império e a família real. Em uma época em que no país nipônico se cultuavam seus líderes políticos, uma prova do ainda retrocesso japonês comparando-se a outras nações o Japão da metade da década de 1940 ainda era um país agrícola e os recursos destinados à educação e cultura ainda eram escassos.

Hersey conta detalhes que a história tradicional não nos conta ou dá pouca importância já que em geral se estuda determinadas épocas relacionadas a seus líderes políticos, religiosos, econômicos, artísticos, os entrevistados no caso desse livro, foram uma secretária, uma dona de casa, dois médicos, um padre e um pastor. Nos traz as dúvidas dos japoneses com o que aconteceu naquela tenebrosa manhã de agosto, de repente surgiu um clarão, as casas desabaram e as famílias quando saíram as ruas viram um cenário aterrador, não havia mais árvores, casas, prédios, só calor, fogo, destruição e mortos, não sabiam se o acidente era um abalo sísmico, não imaginavam que fosse uma arma tão poderosa que destruiu tudo aquilo. Afinal o mundo ainda não conhecia tamanho poder de destruição, nem mesmo muitos norte-americanos que com a ajuda de cientistas judeus e alemães expulsos por Hitler durante a segunda guerra, deram um grande passo na invenção de armamentos, tecnologia sobretudo militar naquela época.

Hersey foi um dos precursores do New Journalism, gênero jornalístico surgido nos Estados Unidos, forma ficcional ou não ficcional de escrita, rica em detalhes, muito semelhante a literatura. Escreve informações que ficaram gravadas em sua mente para sempre e só ficaram para a história, pois foram presenciadas e publicadas por intelectuais como ele. Com a publicação de seus escritos, imortalizou uma parte da história que poderia ser esquecida. Nos conta que os médicos faziam o possível para que as pessoas não se “esvaíssem em sangue” até morrer. Sobre as pessoas feridas que sustentavam pessoas mutiladas, famílias desfiguradas que se mantinham juntas.

As centenas de operações feitas às pressas pelo Dr. Sasaki, as súplicas dos indivíduos soterrados que gritavam por ajuda quando o padre Kleinsorge passava pela rua atordoado com isso tudo, pois não poderia ajudá-los afinal estava sozinho e precisava buscar um refúgio. Conseguiram ficar no parque Faisano na noite do dia seis para o dia sete, lá foi um dos poucos lugares que se manteve praticamente intacto em Hiroshima. O reverendo Tanimoto não sabia explicar como não estava ferido, auxiliava as pessoas levando água para beberem e ajudando em seus ferimentos. A Srta. Sasaki ficou presa nos entulhos do prédio em que trabalhava.

Porém um fato chamou atenção do padre Kleinsorge, as centenas de feridos que sofriam juntos não choravam, nem sequer gritavam de dor. Agonizavam ruidosamente, não se lamentavam e nem as crianças choravam, mesmo feridos se levantavam e se inclinavam para agradecer o padre que lhes ajudava.

Há também relatos mais aterradores, pela forma que Hersey escrevia, nos deixou para a posteridade uma grande obra, eleita a melhor reportagem de todos os tempos. Um relato jornalístico, sociológico, histórico e cultural. Já que escreveu uma reportagem, descreveu os costumes japoneses da época, relatou o que aconteceu com Hiroshima e seus moradores e expressou isso tudo escrevendo suas vivências ali. Interessante para quem estuda assuntos relacionados ao livro, a Segunda Guerra, o Japão, os costumes desse país e de seu povo. É indispensável para os estudantes da comunicação assim como outros grandes clássicos, A Sangue Frio de Truman Capote e Medo e Delírio em Las Vegas de Hunter Thompson.

O jornalista ainda voltou a Hiroshima quarenta anos mais tarde para relatar o que aconteceu com cada um dos sobreviventes, com seus familiares e Hiroshima, afinal essa bomba tinha um diferencial, a radioatividade que deixou doenças e defeitos genéticos em muitos japoneses expostos a bomba e a seus descendentes. Hoje Hiroshima é um centro industrial, cultural, símbolo do desenvolvimento japonês no pós-guerra. Esse clássico vale a pena ler e ter na estante.

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